De dúvida à fortaleza: ‘Miguela’ atreve-se a descobrir-se
No Que Procurei
Mas se me vir ao espelho / Vou saber quem vejo? Vou saber quem sou?
Entrevista a Silly sobre Miguela, onde revela com coragem e vulnerabilidade o seu processo de descobrir-se, enfrentando as suas dúvidas e encontrando a resiliência para seguir em frente, sempre com a certeza de poder regressar a casa.
Esta entrevista será de grande valor para a secção “Descubriendo contextos” do Proyecto: 100te la música, baseado na nossa lista dos melhores álbuns de 2024.
Silly online: Spotify, Facebook
Perguntas para guiar a leitura
- Que contexto a ajudou a descobrir-se ao fazer o disco Miguela?
- Como é que a sua família a apoia nesta busca pela identidade pessoal?
- Como enfrenta as dúvidas internas?
- Qual é a sua música favorita do disco e do que trata?
- Como vê a conexão entre o seu espaço interior e o mundo exterior?
Entrevista a Silly
Em “No Que Procurei”, pergunta: “Mas se me vir ao espelho / Vou saber quem vejo? Vou saber quem sou?”. Em “Nunca”, diz: “Não me consegui encontrar nos outros / sem me encontrar em mim”. Como tem sido o seu processo pessoal de autodescobrimento neste disco?
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O processo de autoconhecimento é constante e foi o principal combustível para todo este disco autobiográfico. Escrever e compor este disco também me aproximou de mim, materializou de alguma maneira muitas coisas que estavam cá dentro e que ainda não tinham encontrado uma forma.
O caminho de construção do próprio disco foi um processo muito longo, novo e intenso, o que me permitiu aprofundar com tempo e explorar sentimentos e lugares que ainda não tinha descoberto em mim. Isso também se deveu muito ao facto de o ter produzido inteiramente com o Fred, que pela proximidade e entrega se tornou um lugar seguro e confortável para me descobrir.
Herança
Família é a casa que eu escolhi no abstrato
Em “Herança”, menciona: “Sangue que trago é uma herança” e “Família é a casa que eu escolhi no abstrato”. O que significam para si a herança e a família na sua busca por “saber quem sou”?
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A minha ligação à família é muito forte. Para além de vir de uma família muito grande, a proximidade que nos une é muito especial e meritória de um destaque claro neste disco.
Nessa busca, a família ajuda no sentido em que te sustenta, estrutura e te dá um chão abstrato ou invisível que dá coragem e espaço para ir e falhar, para arriscar, para procurar longe e, se preciso, voltar. Nesse sentido, fica mais fácil “saber quem sou” ou ir à minha procura sempre que existe essa casa onde poderei sempre regressar.
Nunca
São complexos internos, conflitos
Em “Nunca”, menciona: “São complexos internos, conflitos”. Em “Inquietação”, acrescenta: “Temo não ser capaz”. Que conflitos internos específicos aborda este disco? São as músicas deste disco uma forma de enfrentar esses medos e complexos que descreve?
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Os conflitos internos são vários e vão-se alterando conforme os tempos ou as fases da minha vida, embora sejam essencialmente dúvidas.
Claro que sim, a cada nova frase escrita, a cada palavra cantada, os medos e todos esses complexos de alguma forma vão-se afastando de mim, porque tive coragem de os expor. Isso ajuda-me muito a relativizar todas as coisas que me rodeiam e a assumi-las para fora.
Ainda assim, muitos ainda cá ficam e, por isso, é que continuamente teremos mais e mais discos a chegar (ahahah).
Vento Forte (com Fred)
Segue em frente diante o vento forte
Em “Vento Forte”, canta: “Segue em frente diante o vento forte”. Esta ideia de seguir em frente apesar das dificuldades parece ser central na canção. Teve alguma experiência particular onde a resiliência tenha tido um papel crucial? A música ajudou-a a enfrentar os momentos mais difíceis?
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“Vento Forte” é uma das músicas que eu tenho mais presentes de como nasceu. É também o meu tema preferido do Miguela.
Foi escrita logo a seguir a uma experiência muito particular durante o processo de criação do disco, que colocou em causa muitas fraquezas e inseguranças cá dentro e, por essa razão, despoletou a vontade de escrever sobre essa sensação, metaforizando de alguma forma a resiliência de existir.
Seguir em frente diante o vento forte foi exatamente o que fiz. A canção marca esse episódio e esse abalo que me enrijeceu e só me tornou mais forte.
Fora do Meu Quarto
Fora do meu quarto um mundo / Dentro desse mundo, eu
Em “Fora do Meu Quarto”, menciona: “Fora do meu quarto um mundo / Dentro desse mundo, eu”. O que significa para si a relação entre o que está fora e dentro de si? Mudou o seu espaço pessoal e a sua relação com o mundo exterior ao longo da sua carreira musical?
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O fora e o dentro serão sempre universos muito próximos e co-dependentes um do outro em mim. Aquilo que me rodeia e que absorvo tem um grande impacto em como me sinto.
Quando escrevi essa frase em particular, foi de certa forma para figurar isso mesmo. Sobre ter mudado, acredito que não tenha mudado o meu espaço pessoal e a relação com o mundo exterior. A minha forma de estar e aquilo que decido compor e materializar para fora em forma de canção mantém-se fiel e acaba por ser uma extensão. Assim, há sempre uma relação muito próxima entre esses dois mundos.
Cavalo à Solta
Um poema mudo… Ouve o que eu digo quando eu não falo
Em “Cavalo à Solta”, diz: “Ouve o que eu digo quando eu não falo”. Que conselhos nos pode dar para aprender a “escutar” a comunicação não verbal neste disco ou para “ler” os seus poemas mudos? Por exemplo, a pausa em “Nunca” nos comove tanto: “Larguei palavras como… Larguei palavras como pombas em direção à liberdade”. Há outros momentos no disco onde sente que a não verbalidade tem um papel central?
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A comunicação não verbal, tudo aquilo que não se diz, é muito importante para mim; sempre foi, talvez pela minha forma de estar.
Sim, no tema que abre o disco “Introdução” ou até mesmo no interlúdio que antecipa o final do disco “Ai Se Eu Morrer”, acredito que sejam dois bons exemplos de como, mesmo sem falar ou sem ser muito literal, é possível significar.
Para mim, foi sempre muito importante a coerência e a existência de um único universo estético capaz de significar a música e a temática do disco, seja os rabiscos na capa, a minha fotografia digitalizada em criança ou alguns excertos de cassetes VHS caseiras nos videoclipes do “Cavalo À Solta” e “Herança”. Tudo isso, na minha ótica, ajuda à leitura e edificação de um disco.